A Inteligência Artificial vai controlar os humanos? Uma análise de economia comportamental para PA.
Texto por: Rafael Balaniuk
Quem nunca viu um filme futurístico onde os computadores dominam os humanos? Seja Skynet, Eto Demerzel ou Rehoboam, não é de hoje que temos medo de sermos controlados por máquinas, mas será que isso pode acontecer?
Infelizmente, não temos como responder isso, mas podemos dizer que nossas escolhas não são tão livres como gostaríamos de achar que são. Apesar de parecer uma discussão um pouco filosófica, é provável que você esteja direcionando as pessoas a apresentarem comportamentos negativos sem nem saber.
Para ilustrar isso, pense na última vez que você comprou uma pipoca no cinema.
Se eu tivesse que chutar, diria que você comeu ela até o fim ou pelo menos comeu mais do que gostaria, certo? Bom, o motivo é simples: isso acontece porque o saco da pipoca é grande.
Sim, por uma coisa tão simples assim. Com apenas um saco grande, você tomou uma decisão “vou comer a pipoca” sem tomar uma nova decisão enquanto estava comendo. Se você tivesse, ao invés disso, comprado 4 sacos menores de pipoca (que somados têm a mesma quantidade de pipoca), provavelmente não teria nem começado o terceiro (1).
Isso não acontece só para coisas pequenas.
Por exemplo, qual você acha que é a proporção de doadores de órgãos na Alemanha? E na Áustria? Eles eram, nos anos 2000, respectivamente, 12% e 99%. Bem discrepante, né?
Nenhuma questão cultural explica essa diferença, é algo bem mais simples: os austríacos nascem doadores de órgãos e podem, ao longo da vida, solicitarem que não sejam mais doadores. Enquanto que os alemães nascem não doadores de órgãos e podem, a qualquer momento da vida, pedirem para serem doadores (2).
Esse padrão se repete para países que adotam essas políticas (3), e são números tão grandes que podemos quase garantir que não existe campanha de conscientização no mundo que geraria tal efeito.
Nesse exemplo, percebemos as seguintes características importantes:
Não há nenhuma restrição. Todos são 100% livres para fazerem o que preferirem.
Não há incentivos, sejam eles financeiros ou de qualquer outra natureza por parte do governo.
Essa base teórica é chamada de “nudge” (ou empurrãozinho) e é filosoficamente classificada como paternalismo libertário (2). Basicamente, a ideia é que com intervenções simples e pontuais é possível alterar significativamente o comportamento de um grupo de pessoas.
Quer dizer que eu posso afetar o comportamento dos meus colaboradores sem oferecer nada a mais e sem restringir a liberdade deles?
Sim, você pode. Na verdade, você provavelmente já faz isso, como é muito comum oferecer ao colaborador a escolha de quanto ele contribui para uma previdência privada no momento de entrada na empresa, nunca mais alterando-a.
É difícil escolher economizar para a aposentadoria. Parece que nunca vai chegar, né? Mas quando chega, boa parte das pessoas não pouparam o suficiente. Por isso, uma forma alternativa é “salvar mais amanhã”, que é uma escolha onde os colaboradores aumentam sua contribuição à medida que seu salário aumenta. Quando testada, por volta de 78% dos funcionários escolheram essa alternativa e, em um período de 3 anos e meio, quadruplicaram, em média, sua contribuição para a previdência privada (2).
O maior ensinamento que tiro disso é que é impossível ter zero influência na escolha das pessoas quando você estrutura um processo ou define o contexto dela. Então, por que não oferecer conscientemente um contexto positivo?
Como usar a economia comportamental para aumentar comportamentos positivos?
O primeiro passo é se colocar no lugar dos colaboradores e, claro, ter empatia. De forma mais técnica, também é importante entender como as pessoas tomam decisões (4). Esses são alguns exemplos:
“Somos avessos a perdas.”
Isso quer dizer que é mais fácil que uma pessoa aceite deixar de ganhar algo do que perder. Esse é o princípio que justifica as pessoas serem mais propensas a aumentar a contribuição para a previdência privada quando recebem um aumento, porque é um valor que elas deixam de ganhar a mais e não que elas perdem.
“Somos relativos e não absolutos.”
Isso quer dizer que nos acostumamos com boa parte das situações, sejam elas positivas ou negativas, e que procuramos constantemente a variação em relação ao cenário anterior. É por isso que temos aquela máxima (que tem bom embasamento científico) de que as pessoas se acostumam com um aumento depois de 3 meses.
“Escolhemos mal quando temos muitas escolhas.”
Isso quer dizer que se a pessoa puder escolher “o que ela quiser”, em geral, ela não vai escolher tão bem. As melhores evidências disso são para planos de saúde nos EUA (2), mas também se aplica, por exemplo, a benefícios flexíveis. Uma boa alternativa é listar as melhores escolhas para o perfil da pessoa (ainda deixando ela escolher o que quiser).
Após isso, o segundo passo é retirar o contexto de fórmula para aproveitar o jeito que cada um costuma tomar suas decisões. A frase é um pouco óbvia, mas talvez essa seja a parte mais ignorada do RH:
“Como somos os guardiões dos processos de gestão de pessoas, muitas vezes temos o “poder” de forçar as pessoas a fazerem coisas chatas.”
Imagine que para fazer uma promoção você precisa dos documentos do colaborador, do tempo de casa dele e do salário para saber se ele cumpre os pré-requisitos do plano de carreira.
Então, você pede que o gestor envie todas essas informações, assim como as cópias dos documentos, e pede um prazo de 5 dias úteis para responder se a movimentação pode ser efetuada.
Os gestores têm uma motivação muito forte para solicitar aumentos e vão cumprir toda sua burocracia independentemente do quanto seja, certo? Errado. Não só é provável que alguns evitem passar por esse processo como que eles achem formas de burlar ele (como por exemplo falando com o diretor para que a ordem venha “de cima”). Com os processos e ferramentas corretos, você vai parar de “nadar contra a corrente” e vai redirecionar a corrente para um lugar melhor.
Uma forma excelente de usar isso é a arquitetura de tomada de decisão.
(2) Esses são alguns dos exemplos do que você pode usar:
Default: é a escolha inicial ou padrão. Como as pessoas tendem a escolher o que é mais fácil, muitas vezes elas não alteram a escolha padrão.
Pontos de tomada de decisão: é exigir que as pessoas tomem uma decisão em um determinado momento. As pessoas tendem a não alterar o que elas já fazem, então, ao serem obrigadas a tomar uma decisão, muitas vezes elas tomam uma decisão mais adequada para o novo momento.
Sugestões: é indicar as principais opções para uma pessoa. As pessoas tendem a escolher mais as opções que são sugeridas para elas.
Afinal, quer dizer que as máquinas vão me manipular desse jeito?
Não, mas vamos recapitular:
Primeiro, tenho a sincera esperança de ter conseguido diferenciar os nudges de manipulação. A ideia é ajudar as pessoas a tomarem decisões que são melhores para elas e para os outros.
Segundo, decisões tomadas com base em economia comportamental alteram a frequência do comportamento de um grupo de pessoas, e não de um só indivíduo. Cada pessoa é única e muitas coisas afetam a decisão de cada um, então é virtualmente impossível conseguir conhecer uma pessoa o suficiente para obrigar ela a fazer alguma coisa dessa forma.
O FIA Employee Experience de 2020, por exemplo, apontou que 27% das pessoas pedem para sair da empresa por falta de reconhecimento. (5) Caso eu tivesse um colaborador que não é reconhecido há muito tempo, quer dizer que se eu promover esse colaborador ele vai ficar? Não. Ele pode sair porque sua esposa mudou de cidade e ele vai junto. Entender as tendências da população é muito diferente de entender uma pessoa.
A Inteligência Artificial de hoje ainda está um pouco longe de fazer algo que ela não foi programada para fazer. Então, resumindo, muito provavelmente a IA não vai controlar as pessoas. Por outro lado, as pessoas estão sendo o tempo todo “empurradas” para direções que elas não conhecem, e cabe a você empurrar seus colaboradores para a direção certa!
Referências:
1- “Bad Popcorn in Big Buckets: Portion Size Can Influence Intake as Much as Taste, “ Journal of Nutrition Education and Behavior, 2005, 37:5 (Sept-Oct), 242-5, Brian Wansink and Junyong Kim.
2- Leonard, T. C. (2008). Richard H. Thaler, Cass R. Sunstein, Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness.
3- https://sparq.stanford.edu/solutions/opt-out-policies-increase-organ-donation
4- Kahneman, D. (2011). Thinking, fast and slow. Macmillan.
5- https://atmosfera.fia.com.br/